10 de abr. de 2013

Integrar não significa incluir


Sempre lutei pelo respeito às diferenças e muitas foram as bandeiras que levantei ao logo da minha vida, bandeiras sociais, raciais, religiosas, de gênero, sexuais, pensava que conhecia de perto a discriminação, sofria com cada ato de opressão, mas nunca vivenciei tão de perto o preconceito até nosso filho nascer com SD. Já nos primeiros dias após seu nascimento, quando ainda buscava informações a respeito da síndrome, o quadro de preconceito me assustou. Depois de saber dos avanços da medicina com relação à prevenção e tratamento das enfermidades que comumente afetam pessoas com T21, percebi que o maior obstáculo para a felicidade de nosso pequeno estaria no campo psicológico e social e nesse momento tive a certeza de que a luta pelo respeito aos seus direitos como cidadão seria nossa bandeira para toda a vida. Aceitamos o desafio e assim como falava a canção nos colocamos alertas,  seja e venha o que vier!

Mas se por um lado os prognósticos foram de árduo caminho, por outro veio a esperança, as coisas mudaram, a inclusão esta aí, em alguns lugares há muito tempo em outros chega de mansinho, como é o caso da Alemanha que ainda está no campo das discussões se a escola inclusiva e viável ou não. No Brasil a inclusão agora e lei e por mais que muitas escolas se recusem a matricular alunos com deficiência, essa prática tende a mudar, não somente pela conscientização, mas por que se recusar a matricular um aluno com deficiência é ferir a lei e pode custar muito caro para os cofres da Instituição. Aí e que a meu ver entra o problema, pois a inclusão imposta muitas vezes deixa de ser inclusão e passa a ser uma mera integração.

Nossa primeira triste experiência em inclusão aconteceu no ano passado quando ainda vivíamos em Londres. Desde que Adam completara um ano tivemos a orientação da equipe de profissionais que o acompanhava de colocá-lo em uma escola para ter o convívio com outras crianças, já que ele era filho único e vivíamos longe da família. Primeiramente fomos um pouco relutantes, não o víamos preparado para estar longe de nós assim tão novinho. Entretanto, depois de conversar com outras famílias percebemos que quem não estava preparado para isso éramos nós e não nosso filho, cedemos. O passo seguinte foi buscar uma escola, queríamos uma regular, pois sempre acreditamos na inclusão e após visitarmos muitas decidimos por uma cujo discurso nos pareceu coerente com o que acreditávamos. Adam seria a primeira criança com deficiência da Escola, mas a Diretora Geral tinha uma formação em Necessidades Especiais (lá eles ainda usam essa terminologia) e a responsável pelo grupo dos pequenos se mostrou bastante aberta a começar a inclusão.

A primeira semana transcorreu da melhor maneira possível, talvez por que Adam sentia que a mamãe estava na escola, mesmo não a vendo, mas quando comecei a deixá-lo e voltar para casa meu coração de mãe entrava em conflito a cada dia, principalmente quando ia buscá-lo. Sentia que ele não estava feliz lá, apesar das caras sorridente das professoras e dos elogios que ele recebia de toda equipe. Adam que sempre foi saudável começou a ficar constantemente doente, conjuntivite, amigdalite, varicela, parou de comer. É normal mãe, diziam, ele fica doente porque está fortalecendo seu sistema imunológico, ele não come porque está ainda na fase de adaptação. Desconfiada de que havia algo mais comecei a chegar mais cedo para buscá-lo e por pequenas pistas fui descobrindo o quão longe de inclusão estava aquela equipe. 

Na cabeça da diretora inclusão significava tratar as crianças da mesma maneira, sem observar as necessidades de cada um. Mesmo tendo uma criança com a coordenação motora fina em desenvolvimento e, portanto, sem condição de comer sozinha, ou comer pedaços grandes de comida (nessa época Adam tinha apenas um dentinho) eles colocavam um prato de “fish & chips” - nem vou entrar no mérito da qualidade da merenda escolar na Inglaterra - em frente ao Adam e em outras palavras diziam, “vire-se”, e claro, ele não comia.  No verão ela promovia atividades no pátio e como Adam ainda não engatinhava, eles o “amarravam” em uma cadeira de bebê, igual faziam com as crianças de cinco, seis meses e lá ele ficava por horas, vendo os amiguinhos brincarem, isso quando não o deixavam sozinho com uma voluntária dentro da escola. Nessa época Adam ainda necessitava dormir no meio das manhãs, mas como as demais crianças da sua idade já tinham deixado esse hábito elas o deixavam choramingando pelos cantos, achando que com isso ele iria aprender a manter-se acordado mais tempo. Quando comentei que ele precisava desse sono, pois o baixo tono muscular pode causar uma maior fatiga se comparado com outras crianças, elas muitas vezes o colocavam para dormir e não o recolhiam de lá, até a hora que eu fosse buscá-lo, mesmo que ele estivesse acordado, elas se aproveitavam do fato de que ele não chorava quando acordava e literalmente o esqueciam no berço.

Isso que aconteceu com nosso pequeno infelizmente não e um caso isolado, diariamente ouvimos o relato de pais que citam escolas ditas inclusivas que não se preocupam com as necessidades de uma criança com deficiência, que não oferecem um mediador de aprendizagem, que não buscam métodos diferenciados para a alfabetização, para o ensino da matemática, para a socialização, o que leva as crianças a serem discriminadas pelo grupo, resultando muitas vezes em problemas psicológicos e comportamentais. Escolas que acreditam que inclusão é dar as mesmas tarefas e cobrar os mesmos resultados. Se esse modelo de educação já provou ser falho para qualquer criança, imagina para uma criança com deficiência intelectual.

Uma escola para ser realmente inclusiva precisa ter em sua equipe profissionais que acreditem nisso, que vejam que a inclusão traz ganho não só aos alunos com deficiência, mas a todos, pois essa convivência os ensina a aprender a respeitar as debilidades dos outros, mas também a aceitar suas próprias debilidades, os ensina a serem humildes, a serem cooperativos em vez de competitivos, os ensina serem de verdade seres humanos. Quando uma escola promove apenas a integração colocando um aluno com deficiência em uma classe regular e esperando que ele aprenda simplesmente com o exemplo, ela mina todo esse processo de troca, ela cria “guetos”, ela reforça a frustração, o preconceito, o bullying.


Acredito que esse é o nosso desafio no futuro, as lutas e brigas para matricular nosso filhos em uma escola regular continuarão ainda por muito tempo, mas agora têm o apoio legal (felizmente na região onde vivemos na Alemanha a lei de inclusão entrara em vigor no próximo mês de agosto), mas a luta para mudar o olhar da sociedade, essa não existe  lei que possa resolver, pois essa mudança vem de dentro. Quero confiar que todo esse esforço vai valer a pena e se as conquistas dos últimos 20 anos estão beneficiando nossos filhos hoje, nos permitindo entrar na justiça contra a discriminação, o que conquistarmos irá beneficiar as crianças do amanhã, podemos mudar esse olhar, vamos mudá-lo, afinal como já disse o mestre Paulo Freire Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.”.