11 de dez. de 2013

Colhendo tomates no inverno

Na última primavera decidi fazer uma mini-horta na minha sacada. Comprei mudas de morango, de pimentão, muitas ervas aromáticas e também plantei sementes de uns tomates cereja orgânicos que compro na feira e que são deliciosos. Alguns dias mais tarde consegui 10 mudas de tomate, nove eram bastante viçosas e uma parecia lutar para sobreviver. No momento do transplante percebi que a décima muda, que chamarei aqui de Plantinha, ainda estava demasiado pequena, mas ainda assim decidi transferi-la, a partir desse momento cada uma ganhou seu vasinho que foram dispostos em um canto ensolarado da varanda. Passadas algumas semanas os tomateiros estavam lindos, não tardou para que eu tivesse que providenciar um vaso maior e também estacas e logo, logo começaram a surgir as primeiras flores e os primeiros frutos. Mas e a Plantinha? Essa continuava  pequenina e sem sinal de que iria sobreviver, deixei-a em um canto, protegida do sol e continuei dando-lhe água e nutrientes.

Um belo dia, que não foi tão belo assim, uma forte chuva de granizo destruiu quase todas as minhas plantas. Quando chegamos a casa o cenário foi desolador, plantas arrancadas de seus vasos que se encontravam quebrados no chão, os tomateiros partidos pela metade com seus tomatinhos em meio às grandes pedras de gelo e folhas. Sentei e chorei. Após a primeira reação de querer jogar tudo no lixo, resolvi salvar as plantas que pudesse, e foi quando eu a encontrei, ela estava ali, esquecida em um canto, tão esquecida que nem fora lembrada pela forte tempestade que passara. A Plantinha havia  perdido suas folhas, o vaso estava meio quebrado, mas seu caule continuava intacto. Nesse dia percebi como havia sido injusta e preconceituosa com ela. Há muito tempo ela havia crescido o suficiente para merecer um novo vaso e uma pequena estaca, mas eu não havia percebido. Ao transplantá-la percebi que as raízes estavam bastante encharcadas, pois usei pra ela os mesmos critérios de rega e nutrientes que usava para os outros tomateiros,  sem levar em conta de que por ter um vaso menor e ser menos desenvolvida ela necessitava menos água e menos nutrientes. Não fosse a destruição de suas colegas, eu provavelmente a teria matado afogada.

O exemplo do que aconteceu com meu tomateiro também pode ser usado com relação à inclusão de nossas crianças na escola regular. Muitas vezes nós pais e professores pensamos que apenas colocando-os juntos eles se desenvolverão da mesma maneira que os demais. Damos a mesma quantidade de conteúdos, com o mesmo tipo de linguagem e cobramos os mesmos resultados e quando, obviamente, eles não alcançam (e teriam que alcançar?) dizemos que a inclusão não funciona, pelo menos não para o nosso filho. Colocá-los em uma escola regular para mim é uma questão indiscutível, mas inclusão não termina aí, é preciso um trabalho de equipe entre os pais e os professores, buscando aparar as arestas, resolver as dificuldades à medida que elas surgem. O processo de aprendizagem não é uma ciência exata para nenhuma criança e não poderia ser diferente para as que têm deficiência intelectual.

A partir desse dia resolvi salvar minha plantinha, fiz pesquisa na internet para saber como cuidá-la, controlei o PH da terra, comprei nutrientes especiais para tomates e a reguei de acordo com sua demanda específica e pouco a pouco suas folhas voltaram a aparecer e ela finalmente comecou a crescer. Quando os dias começaram a esfriar passei-a, juntamente com as outras plantas, para um quarto extra, no qual bate bastante sol e não usamos aquecedor central. Ali ela teria um bom ambiente para continuar se desenvolvendo.

Na semana passada estive fora acompanhando Adam na recuperação de uma cirurgia quando tivemos a primeira nevasca. Fiquei preocupada com minhas plantas, será que o ambiente não está demasiado frio e húmido? Será que elas sobreviverão? Quando cheguei à casa a primeira coisa que fiz foi correr ao quartinho e qual minha surpresa quando encontro a Plantinha cheia de pequenas flores amarelas. Quem diria, comentei com meu marido, eu vou colher tomates no inverno.

Nesse dia, durante o jantar, analisamos as tantas vezes em que quase desisti da pequena, quando era miúda demais para ser transplantada, quando ela não se desenvolvia e a esqueci num canto da sacada, após a chuva de granizo quando por um momento pensei em jogá-la fora, quando começou a esfriar e pensei em deixá-la na sacada, afinal, tomates crescem em ambiente livre, pensei.  E assim somos nós, quantos pais não desistem de seus filhos? Quando o comparam com as demais crianças e esperam os mesmos resultados, não lhe dando tempo para conseguir, quando não acreditam em seu potencial e aceitam que as escolas coloquem nele a culpa pela sua incompetência em trabalhar a inclusão, quando, mesmo com boa intenção abrimos concessões a ele, diferente das que ganham seus irmãos típicos, simplesmente porque ele tem deficiência.

Ontem, depois de nove meses em que a plantei, nasceu o primeiro tomatinho. Normalmente esse processo leva dois meses, mas ainda necessitando mais tempo ele aconteceu a partir do momento em que eu passei a respeitar as suas diferenças sem segregá-la em um canto da sacada. Assim acontece como nossas crianças, que muitas vezes necessitam mais tempo para serem alfabetizadas, mas quando tem o apoio e o respeito dos pais e professores com relação as suas necessidades um dia conseguem. Para mim, o mais importante em todo esse processo é a certeza de que embora muito menores, seus frutos serão tão doces e saborosos quanto os tomates que me deram suas sementes.



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