O post de hoje não tata de um assunto
específico da vida do Adam, trata de um assunto que diz respeito a todas as
pessoas, trata do mundo que queremos deixar a nossos filhos, independente do
número de cromossomos que eles tenham. A cada dia mais e mais estudos revelam
como é importante a diversidade na construção de uma sociedade saudável, como a
diversidade interfere positivamente no ambiente escolar propiciando espírito cooperativo, eleva a autoestima e dá maior preparo para enfrentar os problemas
na vida adulta. E é nessa perspectiva que uma pergunta se formula. Por que é
tão difícil para um país jovem como o Brasil olhar as mudanças necessárias para
se construir uma sociedade mais diversificada como desafios e não de
obstáculos?
Nos
últimos meses temos visto um grande debate sobre políticas de educação
inclusiva no Brasil. Tudo isso porque o PNE (Projeto Nacional de Educação) está
em votação no Senado e nele os direitos das pessoas com deficiência, no
que concerne à educação, poderão ser garantidos ou não. Vocês provavelmente
também já devem ter visto nas redes sociais uma verdadeira batalha travada
entre dois grupos, de um lado estão os que defendem a matrícula na escola
regular como um direito fundamental, e do outro os que apontam a falta de infraestrutura
das escolas públicas, que seriam incapazes de atender alunos com deficiência.
Até aí eu vejo o debate saudável, pois proporciona uma reflexão sobre os
desafios que nós pais devemos enfrentar no que se refere à garantia da
autonomia de nossos filhos, pois em nenhum momento podemos negar que o sistema
de educação, tanto da rede pública quanto da rede privada, precisa de muita
adequação para oferecer uma verdadeira inclusão, não só no Brasil, mas em
muitos países cujo projeto de educação inclusiva iniciou na última década.
Agora, o que me parece extremamente nocivo em toda essa “briga” é a percepção
de que os interesses financeiros de algumas instituições estão prevalecendo em
detrimento a uma sociedade mais diversificada, mais inclusiva.
A lei
de inclusão é radical, dizem algumas vozes e então eu me pergunto, até quando
estaremos nos preparando para incluir? Ontem mesmo a inclusive lançou um vídeo da
atriz Rita Pokk (que é uma das protagonistas do filme Colegas), no qual ela
relata como a escola, nos tempos em que ela estudava estava despreparada para
receber alunos com deficiência intelectual. Será que tantos anos depois essa
justificativa é digna de ser usada pelas escolas especiais e simpatizantes,
como um argumento contra a inclusão? Até quando as crianças serão segregadas
pela incompetência de nós professores em aprender outras formas de se
comunicar? Muitos países ainda não tinham colocado na pauta de discussão o tema
inclusão na época em que as primeiras crianças com SD foram matriculadas em
escolas da rede regular de ensino brasileiras, entretanto hoje, depois de
ratificar a convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, esses mesmos países estão muito mais avançados que nós, buscando resolver os desafios
seguintes, investindo mais e mais nas estratégias educativas visando à melhoria
da inclusão. Em contrapartida, nós que ratificamos a convenção em 2007 ainda
estamos com o discursinho de que nas escolas especializada nossos filhos serão
mais bem assistidos (e aí eu vejo o maior problema, não busco uma escola para que
dê assistência ao meu filho, busco uma escola que lhe ensine). Se a escola
regular ainda está defasada e não inclui, o melhor caminho é desistir da
inclusão? Será que não está na hora de seguir em frente, assumir os desafios, e
tornar esse processo efetivo? De que adianta aprovar uma lei que garante a
universalização da educação, mas dá direito às escolas a escolherem quem merece
e quem não merece ter acesso a ela?
Quando
observo os meios que muitas instituições utilizam para que a lei que garante o
acesso de TODAS as crianças ao ensino regular não seja aprovada, fazendo
campanhas mentirosas e apelativas, como é o caso de muitas APAEs, fico pensando
que por trás disso tudo existe muito mais que uma preocupação pela qualidade do
ensino, seja na escola regular ou especializada. Foi revoltante ver imagens de
crianças com SD, imagens que foram feitas justamente para promover a inclusão
social, serem usadas junto a uma campanha mentirosa de que o governo pretende
com essa lei fechar as APAEs. E o mais triste disso tudo foi ver que muitas
pessoas, que se dizem revoltadas com a discriminação e se dizem favoráveis a
inclusão, usarem ou se deixarem usar por essa campanha falaciosa para fazer
campanha político-partidária.
Mas o
que diz a redação da Meta 4 do PNE?
“Universalizar,
para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos, o atendimento escolar aos
estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação na rede regular de ensino.” E no item “a” das
estratégias: “ as matrículas dos estudantes da educação regular da rede pública
que recebam atendimento educacional especializado complementar e suplementar,
sem prejuízo do cômputo dessas matrículas na educação básica regular;” (grifo
meu)
Como
se pode ver, a lei não contempla o fechamento das APAEs, estas seriam,
juntamente com outras instituições que hoje oferecem educação especial , as
responsáveis pelo atendimento educacional especializado complementar e
suplementar. Então eu me pergunto, por que essa preocupação tão grande
com a redação original da Meta 4, a ponto de utilizar-se de falácias para
angariar simpatizantes? Elas deixarão de receber a verba para educação
regular,sim, mas receberão verba per capita para prestar atendimento
complementar à escola, oferecendo profissionais nas áreas de fonoaudiologia,
fisioterapia, TO, psicopedagogia e demais áreas necessárias para auxiliar na
construção da aprendizagem. Ações assim já acontecem em muitas APAEs e está
dando certo, como por exemplo a APAE de SP que há muito tempo deixou de
funcionar como escola e presta um excelente trabalho de intervenção precoce.
Quem sabe excelência é a palavrinha mágica que explicaria o porquê de tanto
alvoroço, se a matrícula nas escolas especiais deverá ser no contra turno da
escola regular e se a verba repassada será calculada sobre cada matrícula, isso
significa que ou a Instituição presta um serviço de excelência e com isso atrai
usuários, ou suas instituições realmente deixarão de receber verba para
funcionar. Mas então eu pergunto, não é isso que nós pais queremos? Que uma
instituição que atende nossos filhos, e recebe dinheiro do governo para isso,
tenha a clientela deficiência ou não, preste serviço de excelência?
Um
outro argumento de pais e professores contrários à inclusão “radical”, como
dizem, é o de que deverá existir as duas possibilidades e são os pais que devem
avaliar se seu filho tem capacidade de estudar em uma escola regular ou não.
Será mesmo? Será que frequentar uma escola regular é um direito dos pais ou um
direito das crianças? E será mesmo que eu sou capaz de avaliar a capacidade
intelectual e cognitiva do meu filho antes mesmo de dar-lhe oportunidade para
aprender? Para sorte e felicidade do Adam, eu que mesmo tendo trabalhado com
alunos com deficiência intelectual na rede regular de ensino brasileira e tendo
lido dezenas de livros sobre os processos cognitivos de pessoas com SD não me
sinto apta a diagnosticá-lo, nem ele, nem a ninguém e acredito que muitos dos
pais e professores que assim decidem também não.
Infelizmente
essa campanha falaciosa atingiu seu objetivo, pelo menos até aqui, e conseguiu
que o texto original da Meta 4 não fosse aprovado pelo senado. Agora um
novo texto, proposto pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJ) do Senado Federal, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), poderá substituir o
anterior.
A nova
proposta não traz muitas mudanças, mas inclui uma palavra que pode mudar
totalmente o rumo da história inclusiva do Brasil. “Meta 4: universalizar, para
a população de 4 a 17 anos, com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação
básica, assegurando-lhes o atendimento educacional especializado,
preferencialmente na rede regular de ensino (...)". O texto foi sugerido
pelas entidades em conjunto com o Ministério da Educação (MEC). (grifo
meu)
E com
essa palavra preferencialmente voltamos anos no processo de inclusão no
Brasil, e com essa única palavra o Brasil vai na contramão do que se tem feito
em muitos países que mudaram suas legislações básicas para contemplar o que
assumiram junto a ONU, é com essa palavra que percebemos como o poder e os
interesses de uma minoria ainda se sobrepõem aos interesses de uma sociedade
mais igualitária, mais diversificada, mais inclusiva.
Para
Claudia Gabrois, membro da Comissão de Direitos Humanos e Assistência
Judiciária (CDHAJ) da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro
(OAB-RJ),com essa nova redação "Voltam questões como a triagem de quem
pode e quem não pode estar na escola comum, enquanto, na verdade, a educação é
um direito inalienável, ou seja, não se pode dispor dele", argumenta.
Mesmo com todo esse movimento de inclusão, com
as campanhas, com a valorização das pessoas com deficiência, do acesso crescente
de pessoas com deficiência intelectual às universidades, com algumas leis que
punem a negação de matrícula, muitas escolas ainda alegam falta de preparo ou
estrutura para não matricular crianças com deficiência. Infelizmente a inclusão
passa por mudanças de comportamento, por mudanças na maneira como eu vejo o
mundo. Seria muito bonito e idílico se cada ser humano, que dê uma maneira ou
outra é responsável para que a verdadeira inclusão aconteça mudasse por si
próprio, por suas convicções. Mas essa não é a realidade, mudanças, não só no
Brasil, como no mundo inteiro só começam a acontecer quando não existe outra
possibilidade. Ter uma lei que nos dê garantia para lutar pelos direitos de
nossos filhos é fundamental, no Brasil, aqui na Alemanha em qualquer lugar do
mundo. E se de um lado eu respiro aliviada porque onde vivemos o processo de
inclusão tem um caminho difícil, mas sem retrocesso, o mesmo não tenho visto
acontecer no Brasil, e temo pelo futuro dos filhos de todas as pessoas
maravilhosas que conheci depois que entrei nesse mundo e por todas as crianças
comuns que mais uma vez correm o risco de não ter direito à diversidade.
“... A
minha mãe jamais faria isso de me tirar de uma escola normal para por numa
escola para deficiência, porque eu quero me interagir, não quero me isolar, eu
quero seguir em frente, encarar a sociedade de frente”. Rita Pokk